Lucas Landau

View Original

Suzy, a cozinheira do amor

Suzy é amor. É deboche, é informalidade, é intimidade. Foi meu primeiro contato na aldeia Kubenkokre, Terra Indígena Menkragnoti, do povo kayapó, no sul do Pará, onde estávamos trabalhando no Xingu+. Eu na cobertura, ela na cozinha. Ela contratada pelo Instituto Kabu, eu pelo ISA.

O bonde da comunicação chegou à noite, faminto depois de dois dias de viagem, e ela, que já estava lá há alguns dias, soltou de primeira: “se não comer agora vai ficar sem jantar, tô fechando. Já avisa pro povo que veio com você”. Falando num volume três pontos acima. Recado dado.

Suzy dá um recado atrás do outro. Ela é branca, do Paraná, mas mora em Novo Progresso (PA) e trabalha como “freelancer” para o Instituto Kabu, associação dos kayapó. Já tem a manha de como lidar com os indígenas. Na cozinha do evento, ela tinha duas ajudantes kayapó que praticamente não falavam português e ela conversava de igual pra igual com elas, sem cerimônia — que muitas vezes nós brancos temos ao conviver com indígenas.

Colocou ordem nos indígenas pra organizar a fila quando o refeitório estava lotado, e com a maior moral. Engraçadíssima, fala alto, grita, ri, brinca, dá esporro, gargalha, conta altas histórias e tá sempre feliz. Alguns devem achá-la meio exagerada, e ela é mesmo. E eu amo isso nela. Com Suzy é tudo intenso, principalmente o carinho.

Vegetariano que sou, passo alguns perrengues quando estou em aldeia. Vou preparado, mas jamais imaginei que Suzy fosse expert em comida vegetariana. Sim! Na meiuca do Brasil, em plena selva amazônica, eu tinha encontrado uma cozinheira que é mãe de uma vegetariana e entendia a minha dificuldade.

”Entra aí, seu prato tá ali, ó. Separei também uma saladinha naquele pote e cozinhei quatro ovos”. Eu estava no céu com tamanho carinho. E nem precisei pedir; já no primeiro dia, no almoço e no jantar, passei reto pela fila para se servir e entrei direto na cozinha da Suzy. Ela transformou cuidado em comida, me senti abençoado e muito sortudo.

No Xingu+, em agosto, nós dois trabalhamos muito. Nos adoramos, trocamos instagram, mas tivemos pouco tempo pra conversar mais a fundo. Eis que, em setembro, volto ao território kayapó (dessa vez na aldeia Pykany, à chamado do Kabu, para documentar uma festa tradicional) e reencontro a tia Suzy.

Fiquei tão feliz quando soube que ela iria. Não só pela tranquilidade de saber que comeria muito bem, mas pela oportunidade de conviver mais com a Suzy. Ficamos mais amigos do que nunca. Passamos muito tempo juntos: tomamos banho de rio, à noite tentávamos usar o raro wifi juntos, conversamos muitas horas na cozinha, acompanhamos o dia a dia na aldeia juntos.

A tia Suzy virou mãe, virou irmã, virou amiga. Mulher de caminhoneiro que trabalha para os madeireiros e amiga de muitos garimpeiros, implico com ela o tempo todo. “Ah, para com isso, deixa as pessoas trabalharem em paz”, ela responde. A realidade de Novo Progresso é outra e quem sou eu para julgar alguém nesse Brasil sem lei? Mas não perco a chance de mandar uma indireta, comparando os madeireiros e os garimpeiros com os bandidos do Rio e ela levanta da mesa, muda de assunto.

Suzy é 100% cabeça aberta e sem nenhum filtro. Fala cu, buceta, viado, cocaína, maconha sem o menor pudor com quem for. Mãe de uma filha homossexual, que mora com a esposa no sul, ela tem empatia de sobra. Chama os indígenas de niro e nira e eles atendem, sorrindo. “Chama us níro pra trocá peixe por frango, amigo!” Eu passava mal de rir. Em kayapó, mulher é menire e se fala de jeito que fica quase “meníra”. Foi o suficiente pra ela fazer os neologismos.

Digo que Suzy não fala nem português nem kayapó, ela fala Suzês — e é uma língua muito mais difícil do que as outras duas. Inventa verbos o tempo todo, é muito engraçado. Conviver com ela é rir o tempo todo. Que delícia é poder chamar Suzy de amiga e saber que agora tenho um colo sempre que precisar lá no sul do Pará.

Atualmente nos falamos por whatsapp e queremos marcar de ela visitar o Rio. Tenho certeza que vai se identificar com o nosso jeito informal e despachado. Suzy, pra mim, é o que há de melhor no Brasil. Gente de verdade, com coração enorme transbordando carinho pra todo mundo. Mesmo com as contradições e caminhos da vida, não tem tempo ruim com ela. Mesmo quando tá difícil, a solução é dar risada — e cozinhar algo delicioso. Sou muito grato ao universo por mais esse encontro. Obrigado por tudo, Suzyellen, meu orgulho por ti é forevis <3

Texto escrito em 11/10/2019